Expansão de casos para além do Norte pode ter relação com maior vigilância e impactos das mudanças climáticas; veja sintomas e como prevenir
Nos últimos meses, o Brasil vive um aumento de casos da Febre Oropouche, doença endêmica da Amazônia Legal, mas que tem se espalhado para além da região em direção ao sul do país. A possível expansão está sob investigação das autoridades sanitárias, mas uma maior vigilância epidemiológica e os impactos do aquecimento global podem ser indicadores de que a mudança veio para ficar. Somente em 2024, o Brasil já registra mais de 6.600 casos confirmados da Febre Oropouche, a maioria concentrados no Amazonas (3,5 mil casos) e em Rondônia (1,7 mil casos), embora com notificações em todas as outras regiões do país, de acordo com o Ministério da Saúde.
A doença transmitida pelo mosquito Culicoides paraenses, conhecido como maruim ou mosquito-pólvora, também foi notificada na Bahia, Acre, Espírito Santo, Pará, Santa Catarina, Piauí, Roraima, Minas Gerais, Amapá e Pernambuco. Casos também estão sendo investigados no Rio de Janeiro, Mato Grosso, Paraná e Maranhão para se detectar a origem da infecção, segundo o Ministério da Saúde.
“O avanço da doença ainda não pode ser considerado uma migração de fato, já que houve indícios de casos no Sudeste e Sul no passado, mas caberá ao monitoramento epidemiológico observar se esse comportamento se manterá nos próximos anos”, explica o gestor médico de desenvolvimento clínico do Butantan Eolo Morandi.
Aquecimento global
As arboviroses (doenças virais transmitidas principalmente por mosquitos), em geral, têm tido um comportamento anormal ao longo dos últimos anos pelo aquecimento, se manifestando até na Europa, na América Central e nos Estados Unidos. Tanto que a Organização Mundial da Saúde passou a considerar grandes surtos de arboviroses como novas ameaças globais à saúde – sobretudo os que têm ocorrido desde 2014 em áreas não endêmicas. Diante do avanço da Febre Oropouche por áreas incomuns no Brasil, é possível aventar um impacto das mudanças climáticas nessa dinâmica, segundo o gestor médico.
“Com certeza o aquecimento global pode influenciar de alguma forma o comportamento da doença. Longas estiagens e o desmatamento na região amazônica podem disseminar a ocorrência destas doenças para outras regiões”, afirma Eolo Morandi.
“Embora a Febre Oropouche seja uma arbovirose menos comum e mais endêmica ao Norte do Brasil, cabe o monitoramento dessas doenças em outras regiões mais ao Sul e Sudeste devido a essas mudanças de comportamento climático no país”, ressalta.
Mais vigilância
A Vigilância Epidemiológica mais eficaz pode também ajudar a explicar a notificação de casos fora da região Norte. A infecção é detectada por exames de RT-PCR de dois a cinco dias após o aparecimento dos sintomas mais agudos. Como a sintomatologia é bastante semelhante à da dengue e da chikungunya, se esses diagnósticos forem descartados, é possível fazer a testagem para Febre Oropouche. “Com a apuração e a reavaliação dos testes, pode-se chegar a mais casos da doença”, esclarece o gestor médico.
Um exemplo disso foi o aumento das notificações da doença em Minas Gerais. O estado, que tinha quatro casos notificados em maio, passou para mais de 70 em junho deste ano. Isso ocorreu porque alguns casos que não haviam sido notificados como dengue ou chikungunya foram novamente testados e confirmaram ser de Febre Oropouche.
Segundo informativo da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, a doença somente foi identificada este ano no estado devido à Vigilância Epidemiológica.
Saiba mais sobre a doença
1- Como o vírus é transmitido?
Existem dois tipos de ciclos de transmissão do vírus Orthobunyavirus oropoucheense (OROV). No ciclo silvestre, ou seja, em áreas de mata, tanto o mosquito Culicoides paraenses quanto o Coquilletti diavenezuelensis e o Aedes serratus podem carregar o vírus. No ciclo urbano, isto é, nas cidades, o C.paraenses é o principal vetor, mas o Culex quinquefasciatus, conhecido como pernilongo ou muriçoca, também pode ocasionalmente transmitir o vírus, aponta o Ministério da Saúde.
O mosquito infectado permanece com o vírus por alguns dias e consegue transmiti-lo ao picar humanos e animais, como macacos e bichos-preguiça.
2- Ele é um vírus novo no Brasil?
Não. O vírus foi isolado pela primeira vez no Brasil em 1960, a partir de uma amostra de sangue de um bicho-preguiça (Bradypus tridactylus) capturada durante a construção da rodovia Belém-Brasília.
Desde então, casos isolados e surtos foram relatados no Brasil, principalmente nos estados da região Amazônica. Também já foram reportados casos e surtos em outros países das Américas Central e do Sul, como Panamá, Argentina, Bolívia, Equador, Peru e Venezuela.
3- Quais são os sintomas?
São parecidos com os da dengue e da chikungunya: dor de cabeça, dor muscular, dor nas articulações, náusea e diarreia. Em caso de complicações, podem ocorrer manifestações neurológicas, como meningite e meningoencefalite, e manifestações hemorrágicas, todas consideradas muito raras. Os sintomas costumam ficar mais fortes entre o segundo e o sétimo dia, momento ideal para fazer o teste que pode comprovar ou não a doença. Idosos, crianças e imunocomprometidos correm mais risco de complicações, embora elas continuem sendo consideradas raras até nestes grupos.
4- Tem tratamento?
Não há tratamento antiviral específico para a Febre Oropouche. É indicado repouso e o uso de antitérmico, em caso de febre, e dipirona em caso de dor, sob orientação médica. Semelhante à dengue, é contraindicado o uso de remédios como ibuprofeno, diclofenaco, ácido acetilsalicílico, ácido salicílico, diflunisal, salicilato de sódio, metilsalicilato e os corticoides, para evitar manifestações hemorrágicas. Recomenda-se beber bastante água, pois quadros virais tendem a causar desidratação.
5- Tem como prevenir?
Se possível, evite áreas onde há muitos mosquitos; use roupas que cubram bem o corpo e passe repelentes corporais para evitar picadas e espantar os mosquitos. Os mosquitos vetores também se proliferam em água parada, portanto, remova possíveis criadouros.