As canções que usam São Paulo como palco

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De Tom Zé a Maurício Pereira, metrópole paulista tem fama de dura e difícil, mas também já foi usada como matéria-prima para compositores

São Paulo comemorou no começo deste ano o recorde de 15,44 milhões de turistas que desembarcaram na cidade no ano passado — um volume 3,76% maior do que 2016. Destes, 12,69 milhões de visitantes eram brasileiros e outros e 2,75 milhões vieram do exterior. Os números são do Observatório de Turismo e Eventos da SPTuris e o Visite São Paulo (antigo São Paulo CVB).
Por incrível que pareça, para além dos turistas de negócios — que chegam à metrópole para fechar contratos ou definir projetos em empresas multinacionais sediadas na metrópole — e dos visitantes ocasionais que possuem familiares na capital paulista, uma parte da expansão nas vendas de passagens aéreas a São Paulo se explica por turistas interessados no roteiro de futebol.

“Cresci vendo os jogos do Corinthians, do Palmeiras, ouvindo falar do Pacaembu, do Morumbi. Como já tinha ido para Buenos Aires conhecer os estádios, quis fazer o mesmo em São Paulo”, conta o peruano Bruno Ortiz, que visitou a cidade durante a Copa de 2014.

Durante o período de um ano, São Paulo é beneficiada, segundo o Observatório de Turismo, pelos eventos e pelo Carnaval de Rua. No primeiro caso, o governo afirma que 24,7 milhões de pessoas participaram de 1,9 mil encontros sediados na cidade, como conferências de medicina, ciências, tecnologia e comunicação.

Já no Carnaval, a SPTuris estima que existiam 510 blocos em 2017 que desfilaram por 35 lugares diferentes e levando consigo cerca até cinco milhões de foliões. A seguir, NOME DO VEÍCULO indica lugares que foram usados por compositores e cantores para ilustrar a vida da capital mais populosa e economicamente ativa do Brasil.

Augusta, Angélica e Consolação (Tom Zé, 1973)

Como a maioria das canções do compositor baiano trazido à São Paulo pelo colega Caetano Veloso, nos anos 1960, o samba Augusta, Angélica e Consolação (Todos os Olhos, 1973) faz um jogo com os nomes de três vias famosas da metrópole paulista.

A Rua Augusta, uma das paralelas mais movimentadas da Avenida Paulista — e que já tinha aparecido em uma canção de Roberto Carlos –, a Rua da Consolação, que possui muitas lojas de lustres e, algumas décadas atrás, abrigou o teatro onde aconteciam os festivais de música da TV Record, e, enfim, a Avenida Angélica, que abriga agências muitos consultórios médicos desde a época que Tom Zé chegou à cidade.

Destinada a duas mulheres, a letra fala sobre a lamentação do eu-lírico a um possível término dos relacionamentos dele com elas. Augusta, como ele descreve, era “vaidosa” e “gastava o dinheiro com roupas importadas”. De fato, na Rua Augusta há diversas lojas de grifes alternativas, além de ser famosa pelos bares e baladas que funcionam durante toda a noite.

Angélica tinha uma roupa que cheirava a “consultório médico”, uma analogia justamente com o alto número de clínicas na avenida. Nos anos 1990, esse volume cresceria ainda mais com a construção de complexos médicos nas adjacências. No fim, o eu-lírico encontra conforto sentimental na Estação da Luz, no centro de São Paulo e distante de todos os endereços listados.

“Há uma sacada genial sobre os significados dos nomes, do sujeito que, no largo dos aflitos, procura uma estação de luz. O jogo lúdico ajuda este sujeito a cantar as três musas com fina ironia: porque estava tudo escuro dentro do meu coração”, diz Leonardo Davino, professor de Literatura Brasileira da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Trovoa (Maurício Pereira, 2007)

Não tão conhecido do grande público, o cantor e compositor paulistano Maurício Pereira é autor de diversas canções que citam lugares de São Paulo, inclusive a possivelmente mais famosa delas: Trovoa, do álbum Pra Marte, de 2007.

Regravada por Maria Gadú, Metá Metá e A Banda Mais Bonita da Cidade, a canção é um relato da intensidade de uma relação entre ele e sua esposa repleto de acontecimentos ao redor da metrópole, como quando caminha sozinho pensando nela nas ruas da Lapa e da Vila Ipojuca, na zona oeste, ou quando a encontra em uma “padoca” da Santa Cecília”, no centro. O próprio Maurício afirmou em entrevista de 2013 que a canção só poderia se passar em São Paulo.

“[A música] precisa do espaço e do vazio de uma cidade grande pra se desenrolar. Mas dita e cantada desse modo, só podia ser em São Paulo. Tem a geografia, tem o jeito cotidiano, meio bruto, de falar, que é coisa nossa, tem uma pitada de rap. E foi feita numa época em que eu resolvi exacerbar a minha ‘paulistanice’, como se eu me sentisse em um exílio em relação ao Brasil, como se eu cantasse em uma língua ouvida e entendida só em São Paulo, na nossa solidão, no nosso estresse”, afirmou.

Lá vou Eu (Rita Lee, 1982)

Quando Caetano Veloso compôs Sampa, canção que aparece no seu disco Muito, de 1978, pensou na ainda jovem Rita Lee como uma das suas inspirações. O eu-lírico da canção conta que não conhecia a cidade antes de saber quem era a cantora, a sua “mais completa tradução”.

Rita, ao lado dos irmãos Arnaldo e Cláudio Baptista, surgiu tocando rock em seus apartamentos no bairro de Perdizes, na zona oeste da metrópole paulistana. Rita, mais do que isso, passou toda a sua carreira reafirmando a sua identificação com a cidade.

Em Lá Vou Eu, Rita não fala exatamente de um lugar específico da cidade, mas tenta resumir de alguma forma o espírito da vida em São Paulo: no primeiro verso, por exemplo, Rita Lee já faz referência à solidão geralmente descrita dos seus moradores (“Num apartamento/ perdido na cidade”).

Na segunda estrofe, há uma lembrança do caráter das pessoas (“Lá vou eu/ Com o que Deus me deu/ Escutando o som/ Conquistando o céu”) e também um dos versos mais famosos da carreira dela: “E na medida do impossível/ Tá dando pra se viver/ Na cidade de São Paulo”. A própria música, enfim, faz referências a relações ocasionais, como a cara fechada do zelador do prédio, uma cena reconhecível pela maioria das pessoas que vive na metrópole.

Amanhecendo (Billy Blanco, 1974)

Ao contrário dos músicos lembrados nesta lista, o paraense Billy Blanco fez não apenas uma canção, mas um álbum inteiro sobre São Paulo. Intitulado Sinfonia Paulistana, o disco tinha como objetivo a comemoração do quarto centenário da cidade, em 1974.
Composta por 15 movimentos, a obra conta musicalmente toda a história de São Paulo, desde a fundação até os anos 1970. As canções são interpretadas por Elza Soares, Pery Ribeiro, Cláudia, Claudette Soares, Nadinho da Ilha, Miltinho, coro do Teatro Municipal de São Paulo e orquestra regida pelo maestro Chico de Moraes.

Em Sinfonia Paulistana, há referências aos imigrantes na cidade em Capital do Tempo, à força do dinheiro – São Paulo já era a capital economicamente mais importante do país – em O Dinheiro e ao movimento constante da metrópole em Amanhecendo, essa muito conhecida por ser a vinheta do Jornal da Manhã, da também tradicional rádio paulistana Jovem Pan.

A proposta de Billy, no entanto, foi inspirada no que ele já tinha composto com seu colega Antônio Carlos Jobim vinte anos antes em sua cidade-natal: o Rio de Janeiro. A Sinfonia do Rio de Janeiro foi lançada em 1954 com arranjos e regência do maestro Radamés Gnattali e interpretações de Dick Farney, Lúcio Alves, Dóris Monteiro, Elizeth Cardoso, Os Cariocas, Gilberto Milfont, Emilinha Borba, Nora Ney e Jorge Goulart.

“Qualquer paulistano que não conheça sua obra não teve a formação completa como paulistano”, afirmou o filho de Billy, Paulo Aranha, ao Estadão recentemente.

 

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