Banqueiro e economista Muhammad Yunus acredita que, com R$ 100, pessoas vulneráveis podem ascender socialmente
Por quase meio século, o economista bengali Muhammad Yunus — laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 2006 — liderou uma campanha para acabar com a pobreza no mundo por meio da entrega de microcréditos para famílias mais pobres — motivo pelo qual ficou conhecido internacionalmente como “banqueiro dos pobres”. A proposta hoje é um dos temas mais debatidos por instituições econômicas, ONGS e pela universidade.
Tudo começou em Jobra, um povoado do seu país, Bangladesh, no Sudoeste Asiático, devastado por inundações: ele percebeu que, emprestando US$ 27 (R$ 100 na cotação de novembro) a um grupo local de mulheres, elas conseguiam diminuir substancialmente as causas de sua miséria. Assim, Yunus percebeu que podia emprestar pequenas quantidades de dinheiro para pessoas vulneráveis e tirá-las dessa condição.
Por meio do banco bengali Grameen Bank, ele levou a ferramenta financeira de empréstimos de pequena escala para vários lugares do mundo, inclusive a América Latina. A Fundação Grameen — que trabalha com organismos dedicados a microfinanças — chegou a zonas rurais da Bolívia, Guatemala, Honduras e República Dominicana. No entanto, os esforços de Yunus e a popularização da sua ideia no mundo não resultou em menos pobreza nem em inclusão financeira das classes inferiores.
Agora, Yunus assegura que, para acabar com a pobreza no mundo é preciso criar dois sistemas bancários distintos: um para pobres e outro para ricos. “Depois de 42 anos, nosso trabalho está nas margens. O microcrédito segue sendo coisa das ONGs, um pé de página do setor financeiro”, disse ele ao portal estadunidense Quartz.
“Hoje só existe um tipo de instituição financeira, que são os bancos para os ricos. Estamos pedindo a eles que emprestem também aos pobres, apesar do sistema não ter sido desenhado para isso”, completou.
Para o fundador do Grameen, a única forma de solucionar o problema das pessoas fora do campo de ação dos bancos é criar um “novo sistema financeiro” que funcione seguindo os princípios da instituição que ele criou. “O Grameen é um banco para os pobres e não empresta para ricos. Os bancos para ricos, por sua vez, não emprestam para pobres. É uma divisão simples: são dois sistemas”, explicou.
Yunus afirma não crer que um dos conceitos que se tornou jargão dos organismos internacionais que lutam contra a pobreza: a “inclusão financeira”. Ele se refere à prática de incluir pobres nos bancos tradicionais, a famosa “bancarização” de pessoas com menos renda. No entanto, para o economista, a palavra “inclusão” é suspeita.
“Não se trata de inclusão, se trata de ter um sistema bancário separado”, insistiu.
O banqueiro dos pobres acredita que o fato dos empréstimos serem a forma mais eficiente e sustentável de lutar contra a pobreza pode ajudar a convencer os governos a apoiar sua proposta. Para ele, o Estado está acostumado a subsidiar certos programas para ajudar os pobres a sobreviver. “Todos os países fazem isso”, argumentou. “Mas em lugar de dar subsídio, é muito mais barato fazer empréstimo: o dinheiro retorna, cobre seu próprio custo e é sustentável. É um sistema baseado no mercado”, completou.
Yunus tem apoiadores importantes: Claudio González-Vega, professor da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, e especialista em temas como financiamento rural e microfinanças na América Latina, concorda que é importante ajudar os pobres a chegar ao sistema financeiro. “Quando eles estão excluídos dos serviços financeiros institucionais, dependem do dono da loja, de agiotas, de amigos e parentes, ou mesmo de guardar dinheiro debaixo do colchão”, disse à rede britânica BBC.
“A inclusão financeira oferece alternativas menos custosas e arriscadas”, completou.
González-Vega está convencido de que o crédito institucional permite melhorar as condições de vida dos mais pobres e os afasta das taxas de juros exorbitantes do mercado de crédito informal.
“Em minhas próprias investigações na Bolívia, percebi que os lugares com crédito de instituições de microfinanças são aqueles em que os pais conseguem enviar seus filhos à escola, enquanto lugares em que o sistema não chega é menos alfabetizado”, afirmou.
No entanto, ao contrário de Yunus, o professor acredita que a solução não é separar ricos e pobres. “Financeiramente, as atividades de uns e outros estão entrelaçadas cada dia mais. Os depósitos dos ricos tornam possível uma carteira de crédito para os pobres e os empréstimos aos ricos podem gerar economias de escala que diminuem o crédito para todos”, argumentou.
Recentemente, o professor estadunidense David Roodman, do Center for Global Development, afirmou que os programas de microfinanças no mundo, exceto raras exceções, foram um grande fracasso. Para ele, a pobreza continua vigorosa nos lugares em que instituições como a de Yunus atuam. “Os microcréditos raramente mudam a vida das pessoas. Algumas delas conseguem crescer pegando empréstimos para abrir pequenos, mas outros não têm nem condição de pagar a dívida depois”.