Antonio P. Pacheco
Especial para o Pauta Extra
A “Casa Cuiabana” foi o palco escolhido para um revival histórico da agitada e underground cena cultural Cuiabana na década de 1980. Pelo menos duas centenas de pessoas assistiram na noite de segunda-feira,19, o emocionante renascer do poeta Antônio Sodré, o “Sodrezinho”, de sua poética visceral e urbana, sua música engajada e psicodélica, sua literatura irônica, crítica e realista no “Showdré”, um evento cênico-musical, plástico e literário como há muito não se via em Cuiabá.
A ideia de realização do espetáculo ShowDré foi cultivada por mais de duas décadas pelo jornalista Kleber Lima, ora secretário de Cultura do Estado, que admirador e amigo do poeta, músico, livreiro e historiador, desde quando cursou Comunicação Social na UFMT em meados dos anos 80. O que era para ter sido um show performático com Antônio Sodré ao vivo no palco, se transformou em um evento-tributo póstumo transmutado em resgate e renascimento pela força e magia da arte do homenageado.
Esta transformação circunstancial, espontânea e evolutiva das ideias e comportamentos, seres e elementos da natureza, aliás, foi parte essencial da obra e vida de Antônio Sodré, que se auto-intitulava “el poeta de la transmutación”, assim mesmo, em portunhol, numa referência à integração dos povos do continente e ao orgulho da sua latinidade sul-americana .
O evento, segundo o próprio idealizador, Kleber Lima, só veio a se materializar, para o deleite de quem gosta, consome e vive a arte e a cultura, graças à reunião e voluntariado de contemporâneos, amigos diletos e próximos do poeta Antônio Sodré, como o músico, artista plástico e poeta Amauri Lobo, o videomaker e músico Eduardo Ferreira, as poetas e escritoras Cristina Campos e Luciene Carvalho, o poeta e acadêmico Aclyses Matos, o compositor e vocalista Adriângelo Antunes, Joel Delatorre, o baterista Rubão e tantos outros. “Sem que todos assumissem como sua a iniciativa do ShowDré, certamente ele não teria sido possível”, declarou Lima, visivelmente emocionado na abertura do evento.
Onde quer que o poeta Antônio Sodré esteja – era um materialista absolutamente crente na força criadora que cria e recria diariamente o universo – o poeta deve ter sorrido timidamente diante do evidente sucesso da noite, e certamente, feliz em saber que sua poesia, sua arte, segue emocionando, instilando sentidos, provocando reflexões, ferroando as consciências entorpecidas.
Mais do que uma homenagem, o evento multi-artístico trouxe novamente à superfície e à luz a inquieta e inquietante obra de Antônio Sodré, um poeta que tinha orgulho de suas raízes populares, suburbana e operária, e que do bairro surgido de uma ocupação, o Pedregal – onde morou toda a sua juventude e vida adulta – lançou-se ao infinito e imponderável mundo da literatura universal para ocupar o espaço que lhe cabe como pensador e artista.
A poesia inquieta e questionadora de Sodré, exposta em cartazes, varais e filipetas durante o evento, cantada, declamada e encenada durante o evento, fisgou as mentes e corações da platéia e semeou o desejo urgente em muitos de conhecer mais profundamente a obra do poeta. Uma pergunta se tornou constante entre os presentes e permanece, por hora, sem resposta: quando teremos uma edição completa da obra de Antônio Sodré?
A resposta só pode ser dada pelo famoso artista plástico Adir Sodré, irmão do poeta, e guardião do espólio literário deixado por Antônio Sodré, falecido em 2011. O artista plástico, aliás, foi uma ausência muito sentida no evento, ao qual não compareceu. Por uma forte razão, certamente.