Empresa estadunidense controla cadeias produtivas, patentes e setor de design e marketing — e ainda lucra mais com a venda dos smartphones e tablets
Em 2011, a Apple integrava 748 fornecedores de materiais em sua rede de produção, sendo que 82% deles estavam na Ásia – 351 na China. A montagem final estava centralizada em 17 fábricas governadas por uma empresa-chefe que padroniza a produção e os projetos de cada componente dos seus produtos. No Brasil, ela lucra principalmente com as vendas massivas do modelo iPhone 6 64GB.
Naquele mesmo ano, 45% do preço de varejo dos produtos da Apple era agregado após a produção, uma diferença de US$ 224 (R$ 861). Isso reflete, para o cientista social e professor da Universidade de Tennessee, Donald Clelland, a força da empresa como compradora e, assim, sua capacidade de baixar os custos de produção.
As desigualdades na cadeia produtiva, segundo ele, são evidentes: a margem de lucros brutos (GPM) da produção por empresas dos níveis abaixo da compra pela Apple não excede metade da margem de lucros da própria Apple. Companhias em Taiwan, Coreia do Sul e nos próprios EUA recebem 8% ou 10% cada pelo preço de fábrica de produtos como o iPhone.
O custo do trabalho em todas elas não passa dos 40%, muito por causa do salário baixo chinês, diz Clelland.
A margem de lucros brutos é a proporção de receita corporativa de vendas que permanece depois do pagamento de custos com materiais e trabalho envolvido na produção. A Apple, na sua cadeia, é responsável pelos projetos, pelas patentes e pelos sistemas integrados de inovação. As fábricas, os equipamentos e os custos de produção pelo trabalho são delegados a subcontratados independentes.
Por isso, ela é chamada de uma fabless (pouca produção, muito projeto). Algumas das fornecedoras da Apple também são fabless que terceirizam serviços de Taiwan ou da China, com altas margens de lucro bruto, já que os custos de pesquisa e desenvolvimento são mais altas em comparação com os custos de trabalho e de materiais.
“O alto volume de lucro bruto desfrutado por muitos dos fornecedores centrais da Apple são baseados em suas provisões de inovação e componentes patenteados para quem a Apple não tem condições de levar os preços para baixo”, diz Clelland no artigo “The Core of Apple”. Ainda assim, esses componentes “exclusivos” representam apenas US$ 59 ou 20% do total dos custos para produzir. Segundo ele, o monopólio global da Apple se explica por cinco fatores.
Projetando inovações
As inovações da Apple atraíram uma grande porção do mercado mundial e que, num cenário de competição intensa por ser diferente dos concorrentes, conseguiu até impor padrões de design e de sistemas operativos. Nesse sentido, ela maximiza seu nível de monopólio por meio de um ecossistema fechado de produção em que controla cada peça produzida – já que criou o design do produto já pensando nas capacidades de fornecimento – da cadeia fornecedora até o projeto da loja final.
Controlando direitos de propriedade intelectual
Com os direitos sobre suas criações, a Apple limita a competição, já que eles autorizam a empresa ser a única a produzir um determinado produto ou design, o que a torna uma única compradora da sua única ideia. Steve Jobs mesmo afirmou em uma entrevista que as três estratégias fundamentais na sua filosofia de negócios era inovar, estabelecer patentes para proteger os designs e usar litígios para manter o monopólio sobre suas patentes. A Apple estava envolvida em 60% dos processos de patentes eletrônicas em 2011, segundo a pesquisa de Clelland.
Governando a cadeia de produção
O controle da cadeia produtiva da Apple é feito exercendo seu monopólio da mesma forma que controla a inovação dos seus produtos, o que lhe permite uma grande margem lucrativa. A cadeia tem forma modular, os componentes e a montagem são terceirizados a subcontratados separados que são governados por padrões estritos. O centro desse tópico é, portanto, o poder e a governança firme que a empresa possui sobre sua cadeia fornecedora. “O ponto desse sistema de governança é para obter um alto nível de monopsonia, a habilidade de baixar os custos para além do que seria possível em um sistema puramente competitivo”, critica Clelland.
Controlando a distribuição e o marketing
Esse tipo de proteção da Apple é um fator fundamental para construir uma monopsonia (monopólio de compra), porque é por meio do monopólio no marketing que os altos preços podem ser passados aos consumidores e, assim, uma empresa pode se tornar a única compradora de uma cadeia. Nesse aspecto, a Apple é incrível: seu trabalho de reconhecimento de marca (brand content) é palpável e constantemente reproduzido por jornalistas e especialistas em tecnologia que construíram um mito sobre a empresa. O nível de monopólio do mercado conquistado por meio do marketing, no caso da Apple, se reflete no volume de vendas dos produtos da empresa, que gera US$ 52 milhões (R$ 200 milhões) de lucros em receitas por cada loja nos Estados Unidos.
Externalizando os custos para os fornecedores
Esse é o ponto-chave da questão para Clelland: os lucros da Apple dependem de estratégias em que custos são externalizados para acumular valor oculto. Por meio de sua governança sobre a cadeia de fornecedores, a empresa utiliza níveis de monopsonia para externalizar tantos custos de produção possíveis para os fornecedores e, assim, extrair valor oculto deles.
“As empresas são dirigidas para cortar custos. Para fazê-lo, elas devem expandir suas margens financeiras escurecendo o sistema de contabilidade através de externalização dos custos. Os fornecedores passaram para a Apple o valor oculto embutido na sua captura de força de trabalho sub-assalariada, recursos naturais de baixo valor e a externalização de custos para ecossistemas e produções domésticas”, finaliza Clelland.