Especialistas apontam epidemia de cesarianas no Brasil

ARTICLE TOP AD

O Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em número de cesarianas. Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece em até 15% a proporção recomendada, no Brasil esse percentual chega a 57%. Grande parte dessas cesarianas é feita de forma eletiva, sem fatores de risco que justifiquem a cirurgia, e antes de a mulher entrar em trabalho de parto. Em muitas localidades, faltam condições de assistência que favoreçam o sucesso do parto vaginal, tanto no setor público como no privado, analisa a obstetra Roseli Nomura, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

— Equipes em número insuficiente de profissionais de saúde, não apenas médicos, mas obstetrizes, enfermeiras, anestesistas e neonatologistas, prejudicam o cuidado à parturiente — observou.

Dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) referentes aos nascimentos em 2016 apontam que 55,4% do total de nascidos vivos no Brasil o foram por meio de cesárea. Entre os estados com maiores índices, estão Goiás (67%), Espírito Santo (67%), Rondônia (66%), Paraná (63%) e Rio Grande do Sul (63%).

Dos partos realizados na rede pública de saúde, 40% ocorrem por meio de cesarianas. Já na rede particular esse índice chega a 84%, variando de acordo com a região. Para Roseli, esse diagnóstico deveria guiar governos e associações médicas nas ações para redução desse tipo de cirurgia. Os dados foram publicados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Opção da mulher

Roseli afirmou que a cesariana ajuda a salvar vidas, como nos casos em que há risco de hemorragia ou quando a placenta está obstruindo a saída do útero, por exemplo. Quando a mulher opta pela cesariana por fatores como medo ou dor, a médica aponta que programas de preparo para o parto e a indicação de medicamentos podem ajudar.

— O treinamento para o enfrentamento dos medos e da insegurança ajuda a evitar a indicação da cesárea sem real necessidade — ressaltou.

Muita gente desconhece que a via de nascimento deve ser uma opção da mulher e da família, e não uma imposição médica, a menos que haja fatores de risco no parto natural. O Unicef ressalta que cada semana a mais de gestação, até a 42ª, aumenta as chances de a criança nascer saudável.

Apesar de considerar a cesariana um avanço da medicina que ajuda a salvar vidas, a obstetra do Hospital Universitário de Brasília (HUB) Lizandra Moura observou que há uma epidemia dessas cirurgias no Brasil. Segundo ela, muitas são motivadas geralmente pela busca de praticidade pelo médico ou pelo temor de processos judiciais.

— A gente precisa discutir e mudar essa cultura de tantas cesarianas. Implantar novas rotinas, esclarecer, voltar um pouco ao tempo do parto normal, humanizado, é fundamental — pontuou.

Casa de partos

Mãe de três crianças, Priscila Cristian de Andrade, de 34 anos, se sentiu enganada pelo obstetra que escolheu para cuidar de suas duas primeiras gestações: de Isabela, hoje com 7 anos, e de Clarissa, com 6. Priscila conta que, apesar de ter se preparado para o parto normal das duas, sofreu uma pressão velada do médico pela cesariana, o que acabou acontecendo nos dois casos.

— Em nenhum momento tive a minha vontade respeitada. Quando chegou a hora, meu obstetra não me deu assistência, não teve a devida disponibilidade e ainda passava fazendo pressão psicológica no quarto.

Ao ver a cena se repetir, e sem ter nenhum problema de saúde que justificasse a cesariana, na terceira gravidez Priscila procurou uma casa de partos humanizada. Para ela, o parto normal era indispensável, porque pretende ter pelo menos mais dois filhos.

— Consultei meu médico e outros especialistas sobre as chances de ter o Isaac, hoje com 2 anos, por parto normal e com segurança. Nenhum dos profissionais disponibilizados pelo plano de saúde garantiu que eu teria parto normal após ter passado por duas cesarianas — lembrou.

Sensibilização

O Unicef afirma que os direitos da criança começam antes mesmo do nascimento. Para tanto, é fundamental que as mulheres tenham acesso ao pré-natal de qualidade e recebam todas as orientações para que seus filhos possam nascer no momento certo e de forma humanizada.

Já a Organização Mundial da Saúde publicou novas recomendações sobre padrões de tratamento e cuidados relacionados às grávidas, com o intuito de reduzir intervenções médicas desnecessárias.

A coordenadora da Procuradoria da Mulher no Senado, Rita Polli, ressaltou a importância da sensibilização sobre esperar pelo trabalho de parto espontâneo. De acordo com Rita, a procuradoria — comandada pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) — tem trabalhado para equilibrar os dois lados, facilitando esse diálogo.

— Sempre realizamos debates envolvendo os diversos atores ligados a esse tema. É algo que também deve ter a participação do homem, resultando em muito mais tranquilidade e conforto emocional para a mulher — relatou.

A coordenadora citou o Projeto Rede Cegonha, do Ministério da Saúde, que aconselha as gestantes sobre os benefícios do parto normal, ressaltando que a cesárea só deve ser feita quando realmente necessária.

Rita considera essencial que essas políticas públicas sejam atreladas ao treinamento das equipes médicas quanto ao respeito à opinião da mulher em todo o seu processo gestacional.

Com o objetivo de aumentar a diferença de cesarianas em favor do parto normal e evitar partos cirúrgicos desnecessários, o Ministério da Saúde criou um sistema de monitoramento on-line para acompanhar a quantidade de cesáreas feitas no Sistema Único de Saúde (SUS). Desde março de 2018, ele pode ser acompanhado por gestores e usuários do SUS, por meio do site da Secretaria de Vigilância em Saúde.

Monitoramento

A coordenadora de Saúde das Mulheres do ministério, Mônica Neri, destacou a implantação do Projeto Parto Cuidadoso em 626 maternidades do país. Em três anos, o programa evitou 10 mil cesarianas desnecessárias em 35 hospitais.

Mônica disse que o ministério já colheu as informações de todas as maternidades inseridas no programa e que os resultados estão sendo levados aos gestores dessas unidades, que deverão apresentar um plano de ação para a melhoria da atenção à parturiente.

— À medida que o parto se torna humanizado, esse momento passa a ser prazeroso, compartilhado com a família e com o próprio bebê — ponderou.

Aguarda votação na Câmara dos Deputados um projeto do ex-senador Gim Argello que obriga a obediência às diretrizes e orientações técnicas e o oferecimento de condições que possibilitem a ocorrência do parto humanizado nos estabelecimentos do SUS (PLS 8/2013).

Também aguarda parecer da Câmara uma proposta de emenda à Constituição do deputado Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB) que obriga o SUS a disponibilizar equipe multiprofissional às gestantes, composta pelo menos por pediatra, ginecologista, obstetra, enfermeiros e psicólogo (PEC 100/2015).

Humanização

A humanização do parto no Brasil tem sido debatida no Senado ao longo dos anos, sobretudo por conta dos altos índices de cesarianas realizadas no país.

O assunto também está em pauta devido às denúncias de violência obstétrica recebidas durante o funcionamento da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI) da Violência Contra as Mulheres, em 2012 e 2013.

Muitas gestantes ainda sofrem abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde no mundo inteiro, numa realidade reconhecida pela OMS e que coloca em risco a vida da mãe e da criança.

No Brasil, os especialistas concordam que um dos principais desafios para enfrentar esse problema é ajudar estados e municípios a executar as metas fixadas pelo Ministério da Saúde.

Segundo a médica Lizandra Moura, as mulheres devem ter em mente que o parto é um direito delas. Algumas já ficam sabendo durante o pré-natal que vão precisar de parto cesáreo, devido a complicações demonstradas nos exames. Nos demais casos, a recomendação é aguardar as 39 semanas para marcar uma cesariana eletiva.

ARTICLE BOTTOM AD